COLA: oficina de estamparia coletiva

COLA: oficina de estamparia coletiva




Nessa oficina foram produzidas bolsas estampadas a partir de lonas reaproveitadas. Depois de estampadas, as bolsas foram amarradas umas às outras, compondo uma grande bandeira coletiva que foi exposta pela janela do ateliê. A partir da experiência das facilitadoras Maria Cau Levy e Gabriela Cherubin, artistas e designers, a oficina se estruturou em três partes. No primeiro dia, foram feitos exercícios de desenho de observação da arquitetura do ateliê e seu entorno, por meio de desenho e cego e colagens. No segundo encontro, o estudo das formas e composições geradas no primeiro dia serviu de base para a pintura nos tecidos que deram origem às bolsas. No último encontro, as bolsas foram dobradas, costuradas e amarradas umas nas outras para a confecção da bandeira. Depois das oficina, os participantes puderam levar suas bolsas individuais para casa.



O texto que segue apresenta uma conversa realizada em meio online no dia 02/02/2023  entre André (Micropolis), Maria Cau Levy e Gabriela Cherubini. A conversa foi transcrita e editada. O encontro foi gravado e depois a conversa foi transcrita e editada.

André: Pra começar acho que seria legal vocês se apresentarem falando como surgiu a ideia dessa oficina e como ela se relaciona com o trabalho de vocês.

Cau: Eu sou a Maria Cau, designer, e faço parte do Goma Oficina aqui em São Paulo. A gente tem um espaço de pesquisa e ensino que é o Galpão Comum. Sobre a oficina, a proposta veio de propor uma oficina de estamparia com a reutilização dos materiais que o JACA tinha disponível. Eu pensei em chamar a Gabi justamente porque a gente tem um histórico de parcerias em cenografias. Quisemos trazer um pouco do universo do Ateliê Vivo — biblioteca pública de modelagem e pesquisa de desenho — e também da minha pesquisa de desenho no universo gráfico junto com o Goma. Pensamos o desenho como uma ferramenta ampla de construção de raciocínio e de apreensão do mundo. De tradução e de abertura de processo para criação, e não só como representação. Eu acho que a ideia de fazer uma oficina de criação coletiva é justamente essa, para cada um poder trazer os seus aportes. Por mais que a gente tenha mediado o processo, quem trouxe tudo foram as pessoas participantes. Elas trouxeram os desenhos, os temas, o que elas queriam falar. A gente apenas mediou. 

Gabriela: Eu sou Gabriela, sou artista têxtil, educadora e figurinista. Trabalho e atuo no Ateliê Vivo, que é uma biblioteca de modelagem, uma escola e um laboratório têxtil onde a gente busca refletir sobre os modos de produção manuais. Eu e Clau já tínhamos trabalhado  juntas em cenografias, e tanto eu quanto ela já tivemos práticas como educadoras. A vontade de trabalharmos juntas veio do desejo de pensar o coletivo, de atravessar a proposta do Ateliê com o coletivo da Clau.

A: Vocês poderiam contar o que aconteceu nesses três dias de oficina? Um pouco da sequência de atividades que vocês propuseram.

G: No primeiro dia a gente fez uma apresentação sobre cada coletivo e como a gente queria trabalhar com o coletivo das pessoas que estavam lá. Primeiro, nós propusemos um exercício de desenho cego, que é um desenho de observação do espaço. As pessoas foram à deriva no edifício e a partir daí cada um criou seu desenho. 

C: Nós sugerimos como um tema comum falar do próprio edifício, mas foi super livre, cada um foi andando pelo edifício, desenhando o que queria. Umas pessoas desenharam a janela, outras desenharam a esquina, outras a porta. Outras desenharam outros elementos, como um sol, coisas que estavam imaginando, que estavam no seu próprio repertório. 

G: Depois nós fizemos uma exposição onde todo mundo podia ver o desenho de todos. Quando a gente vê o desenho que fizemos na parede temos outra dimensão do trabalho. Nessa exposição, a gente propôs que as pessoas fizessem uma escolha de três frames de desenhos expostos, que não necessariamente era o seu (para a pessoa não ficar presa ao seu trabalho). A captura do frame foi feita com o celular, numa fotografia de proporção 1:1. A partir desse frame ia ser criada a estampa. 

C: Antes de criar a estampa propriamente, a gente propôs uma etapa intermediária que era a construção de um azulejo. A pessoa tinha que traduzir o frame para um “azulejo”, a partir do recorte de papéis coloridos. Isso ajudou no processo de sintetização da imagem. Depois do azulejo fomos para a estampa. 

G: Para a estampa, nós passamos a técnica da estamparia de fita crepe, que é uma técnica bem acessível e bem simples. Trata-se de fazer o desenho com a fita crepe para depois pintar em cima, daí fica o negativo do desenho. A base foram os tecidos que já tinham no JACA. Cada frame do desenho foi reproduzido numa escala maior do tecido com a técnica da fita crepe.

C: A gente também fez a escolha das tintas, que eram as mesmas cores dos tecidos — o verde, o magenta, o azul e o amarelo. Quatro cores. A gente trabalhou com essa paleta.

G: A gente optou por não deixar todo mundo fazer a cor que queria pensando na composição final que criasse uma linguagem de cor também.

C: Os tecidos já tinham um formato específico. A Gabi trouxe um molde de uma bolsa que ela tinha da biblioteca, era uma bolsa que elas já tinham criado e que funcionava muito bem com o formato do tecido que a gente tinha, que tinha mais ou menos uma proporção de 3:1. Com poucas dobras a gente conseguiria fazer as bolsas. Então a ideia seria essa, cada um pintaria uma bandeira que dobrada viraria uma bolsa, e a gente usaria essas bandeiras para expor na fachada do prédio — que é no centro de Belo Horizonte — para trazer um pouco de dentro pra fora. Depois de um tempo, na desmontagem dessa estrutura, cada um poderia levar a sua bolsa para casa e ficar com essa memória da oficina, com o desenho próprio que construiu nesse tempo e também com a sua própria bolsa que a pessoa mesmo costurou. Então nesse pequeno tempo de oficina, três dias, a gente conseguiu desenvolver alguma coisa que fosse rápida, mas que a longo prazo pudesse aportar pros alunos um pouco da experiência do Ateliê Vivo, atrelada a vontade do JA.CA de formação e desenvolvimento conjuntos, além da experiência da Goma com o ensino de desenho.

A: Vocês começaram a falar sobre o processo de construção coletiva. Tem essa questão individual de cada um estar ali colocando o seu desenho ou criando sua bolsa, mas também de ser um processo compartilhado, onde cada um interfere no processo do outro. Queria que vocês comentassem sobre isso, pensando também em como isso interfere no processo de construção ou de produção das imagens.

G: O processo de criação conjunta necessariamente passa pelos aportes individuais, ao mesmo tempo que precisa haver certas diretrizes comuns para ter um diálogo entre o que está sendo feito. Tem essa questão chave, que é como trabalhamos com diretrizes e medidas comuns. Acho que tem a ver com o processo de construção de uma linguagem. Ela vai sempre apresentar limites, mas também vai permitir diálogos. Nós trabalhamos como mediadoras. Trouxemos a ferramenta do desenho enquanto um lugar em que cada um pudesse trazer sua perspectiva. E acho que foi muito interessante, pra quem participou, conseguir chegar num resultado num tempo muito curto. Teve começo, meio e fim. Nos preocupamos muito com isso, em criar as diretrizes básicas. Mas, ao mesmo tempo, se você chegasse lá na sala, estava totalmente solto. As pessoas estavam todo o tempo fazendo algo. É como um jogo. A gente criou as regras desse jogo e cada um podia jogar e brincar como quisesse. Então foi um trabalho coletivo, porque de fato o resultado é múltiplo, diverso, não tem nenhuma repetição. Cada desenho foi para um caminho, cada desenho tem uma linguagem. Teve gente que trabalhou com desenhos mais sólidos, teve gente que trabalhou com intervenções mais mínimas, mas tinha a bandeira, as cores e a técnica como linguagem comum.

G: Adorei o paralelo com as regras do jogo, faz muito sentido. 

C: E é um jogo que não tem um vencedor, todo mundo ganha!

G: Eu acho muito legal, também, que a pessoa consegue desdobrar muitas ideias depois com a estampa de fita crepe. A fita crepe é acessível. Acho que a gente também falou muito do desenho cego de observação. Às vezes a pessoa acha que “não é” do desenho, mas isso não é um impeditivo para ela jogar, é um desenho cego no qual não precisa estar perfeito.

A: Isso é bem interessante. É preciso que exista uma estrutura mínima para guiar as pessoas juntas fazendo algo. Acho que o paralelo com o jogo é bom por isso também. Também achei interessante a possibilidade de interferência, por exemplo, na etapa onde você podia pegar o desenho do outro. Até encontrar, na última fase da bandeira, alguma parte do desenho que você fez no início. Acho que esses diálogos entre as etapas foram bem interessantes pensando nessas interferências.

C: Até teve alguns desenhos que fizeram sucesso. Tipo a caixa da feira, as cadeiras. Tiveram alguns signos do espaço. Signos eu digo porque foi tão abstraída a imagem, que ela virou um signo, um índice. Mas você nem sabe ao que ela se refere exatamente, mas a gente identificava, né. A luminária, a cadeira, a caixa de feira, a janela, foram alguns elementos que apareceram. É legal, porque está falando do próprio prédio. Quase como se de fora do prédio você tivesse vendo um grande devaneio do que seria dentro daquele edifício, que passando por fora você não consegue ver. Acho que tem essa brincadeira também.

G: E também tem esse lugar do desapego. Você tem que desapegar do seu desenho, não é mais seu, agora está no coletivo e segue o jogo. 

A: Eu ia perguntar sobre a técnica da estampa, se puderem falar mais sobre.

G: Eu acho muito interessante a técnica da fita crepe, no fato de que você já desenha com a própria fita. É uma estamparia mais livre. É claro que você pode desenhar o seu rascunho, e aí fazer o desenho com a fita crepe. Mas eu vejo ela como uma estampa mais livre no processo do que outras. Acho mais acessível.

C: Acho que tem duas coisas. Tem a estampa como imagem com característica utilitária quando está numa coisa que você veste, usa. E tem também o desenho enquanto uma informação. Qualquer desenho é uma informação. E nesse caso é uma informação que perambula por aí. Na oficina, a gente fez uma bandeira na fachada do prédio e diversas bolsas. Então tem esse aspecto da comunicação, que acho bem legal. 

Tem um outro aspecto, que a Gabi já comentou, que é um aspecto didático, que acontece no processo de apreensão de uma técnica. A técnica da fita crepe é muito simples mesmo, você precisa de um tecido, de tinta, e fita crepe. E o universo que isso abre até em termos de desenho é muito grande. E acho legal, porque normalmente o desenho é um lugar que trava muito as pessoas, muita gente fala “não sei desenhar, desenhar não é pra mim”, mas o desenho é uma linguagem de comunicação. O ser humano tem a capacidade de abstração. Abstração não só das ideias, mas das formas também. Se eu te pedir pra desenhar um peixe, você vai saber. Você tem alguma pré-concepção de síntese de representação daquilo, e isso é uma habilidade de síntese visual. E aí eu acho que esse exercício da fita crepe eleva muito isso, porque você não consegue colocar muito detalhe, sombra, nuance na cor. Você só tem onde colocar tinta e onde não vai colocar tinta. Acho que isso é bem didático, pedagógico. Então acho que tem esses dois fatores, que juntos são uma potência, né. O aprendizado de uma ferramenta de desenho simples e acessível e o suporte — a mídia — que também é muito acessível. Todo mundo tem um tecido em casa, uma camiseta. Todo mundo se veste. Nesse sentido, acho que entra também na pesquisa da Gabi sobre anti-moda. Tipo, é óbvio que é pra todo mundo a moda, né. Porque todo mundo…

G: Usa roupa, né?

C: Então tem essa confluência legal, que tem a ver com nosso encontro. Achei que foi muito especial a oficina. Tanto por causa da turma, uma turma muito legal, teve muita troca.

G: Sim, todo mundo muito disposto a se aprofundar naquela materialidade que a gente tinha e na proposta. Tanto na estamparia, quanto na costura. E é isso, a costura é muito ancestral. Todo mundo usa roupa. Antes não era roupa, era indumentária. Antes não tinha vários tecidos, era a pele do animal, era o observar da natureza que começou a ser feito na tecelagem. E acho que quando a pessoa para pra desenhar, para observar, ela também está parando pra se observar, para entender qual a identidade dela. No caso a gente não tava fazendo uma roupa, mas quando você para e pega uma agulha e uma linha você se dá conta que tem essa autonomia pra costurar. Acho que tem essa dimensão tanto na estampa quanto na costura, que é você construir algo a partir da observação e da materialização.


Maria Cau Levy é designer, arquiteta e pesquisadora. Trabalha na fronteira entre teoria e prática, desenvolvendo projetos autorais e em coletivo. Atualmente é professora de desenho da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Escola da Cidade e mestranda na FAUUSP. Integra o espaço de pesquisa @galpaocomum e o coletivo @gomaoficina.

Gabriela Cherubini pesquisa a indumentária em projetos artísticos com o fazer das mãos unindo processo criativo com práticas têxteis. Como professora ministra aulas de modelagem, corte, costura, desenho, renda de bilro e processos criativos. Atua no projeto Ateliê Vivo, uma biblioteca pública de modelagens, como coordenadora, pesquisadora e professora.


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