Programa de Residências Internacionais – 2017 – Jardim
O processo de investigação na residência foi inicialmente orientado pelo interesse nas formas de construção e possibilidades de paisagens do bairro Jardim Canadá. Buscando verificar como os agentes ali presentes reconfiguravam o espaço cotidianamente, me interessou pensar a relação com a natureza que circunda e se presentifica no bairro a partir de gestos distintos e de escalas diferentes.
A partir do alargamento do conceito de jardim, como plataforma de cultivo e aproximação com a natureza e com entorno – e consequentemente potente na possibilidade de criação paisagística – tomei como referência o termo canteiro para orientar as investigações acerca dos gestos presente no bairro. Canteiro se traduz na possibilidade de cultivo em escala doméstica, afetiva, diminuta, presente em boa parte das casas do bairro através de hortas e jardins. Por outro lado o entendimento do termo canteiro também se refere à uma escala e a um gesto mais agressivo, se relacionando com a crescente especulação imobiliária no bairro, com a mineração que o circunda e com a lógica expansiva e progressista que avança não somente por aquela região; logo por sua vez se traduz como canteiro de obras, como espaço propulsor de crescimento urbanístico e capital.
Referenciado nessas duas lógicas, em duas dinâmicas de gestos em relação ao espaço do bairro, busquei inicialmente realizar caminhadas e passeios de bicicleta pelo entorno do JA.CA. na tentativa de reconhecimento desse território. Através dessas errâncias me propus mais a ouvir o bairro, e tentar compreender a formas como a natureza desses gestos estavam presentes, que intencionar ou subjugar uma interpretação prévia do local.
Assim, na tentativa de uma espécie de escanamento do bairro, me propus a realizar filmagens cotidianas de situações e locais que se articulavam com a natureza e suas representações das mais diversas formas. Encontrei assim na imagem audiovisual a possibilidade de levantar as questões que estavam presentes no projeto, de forma a traduzir quase documentalmente as próprias problemáticas que circundam o bairro como um todo e sua relação com a natureza ali presente.
Inicialmente tocado e evolvido com uma parte da produção do cinema estrutural, produzido na décadas de 60 e 70, principalmente nos EUA, onde o uso de longas tomadas e câmeras fixas possibilitavam uma maior apreensão da imagem em si, evidenciando em boa parte das paisagens captadas o gesto humano de urbanização e vontade de progresso; me aproximei desta forma de captura da realidade, interessado em posteriormente transgredi-la nas possibilidades de montagem e decoupagem; podendo criar a partir daí uma narrativa que esbarrasse nas formas ocultas e misteriosas que envolvem a própria natureza e nosso entendimento dela.
Por este caminho, comecei a pensar o filme como uma experimentação que trouxesse em seu registro documental possibilidades de alargamento das paisagens do bairro. Trabalhei efetivamente na busca de uma narrativa a princípio linear, em que o passar de um dia no bairro fosse evidenciado, mas que dentro dessa lógica houvessem possibilidades de fabulação e ficção, inscritas pela própria montagem, pelas cenas absurdas e surreais ou pelo trabalho de som desenvolvido no filme, buscando criar de certa maneira um bairro que não se comprometesse fielmente ao Jardim Canadá, mas que em suspensão, pudesse se tornar um lugar qualquer, um espaço de sonhos e devaneios.
Pensando nestas possibilidades de criação narrativa e ficcional me pareceu inevitável pensar em semelhança o espaço do vídeo e do trabalho audiovisual como o próprio espaço do bairro. Mais claramente, o que se evidenciou durante o processo da residência é como as formas infinitas de montagem das cenas possibilitadas pelo vídeo poderiam também ser pensadas como possibilidades de construção de espaço físico e estrutural daquele espaço. Assim, em certa medida, seria pensar através e pela paisagem do bairro como seus espaços poderiam ser refletidos dentro do vídeo, trazendo para dentro da montagem de modo metafórico seus cruzamentos, seus lotes vagos, seus sons, suas arquiteturas, seus habitantes, etc.
Da mesma forma, a partir das atividades presentes no bairro, busquei compreender a natureza dos gestos de corte de cada uma delas – mineração, floricultura, marmoraria, etc – pensando como estes cortes poderiam ser evidenciados dentro da montagem pela transição entre as imagens filmadas; transpondo o gesto físico de fissura para um gesto temporal e narrativo no filme.
Acredito que a abertura do projeto, interessado em se relacionar diretamente com o bairro, não visando a princípio um resultado final formalizado e enquadrado, tornou-se maior pela própria qualidade da residência no JA.CA, onde a experimentação com as formas artísticas é compreendida e considerada como fator relevante dentro do processo. Acredito ainda, que as possibilidades de cruzamentos poéticos dentro do período da residência no que diz respeito à realização do vídeo se deu de modo mais pleno por uma vivência intensa em uma região que vem sofrendo mudanças constantes em sua paisagem; fator que possibilita readequações e reconsiderações diárias dos nossos modos de olhar para o bairro.
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