A resistência dos quintais

A resistência dos quintais


As artistas-cozinheiras Joseane Jorge e Silvia Herval, integrantes da dupla Cozinha Kombinada, se lançaram ao longo dos dois meses em que habitaram as dependências do JA.CA, parte do primeiro ciclo de Residências Internacionais 2016.





por Daniel Toledo

Quem caminha pelas quase sempre áridas ruas do bairro Jardim Canadá, ou mesmo por outras regiões igualmente marcadas por uma noção de urbanização que parece eliminar os inevitáveis deslizamentos entre campo e cidade, decerto não imagina as variadas formas de resistência que se escondem por trás dos numerosos muros e grades que observamos à primeira vista. Pois foi em busca dessas formas de resistências que as artistas-cozinheiras Joseane Jorge e Silvia Herval, integrantes da dupla Cozinha Kombinada, se lançaram ao longo dos dois meses em que habitaram as dependências do JA.CA.

“Praticamente todos os dias, nós saímos pelo bairro em busca de pessoas que plantassem ou criassem animais em suas casas, de certo modo remetendo a outros tempos e a modos de vida que às vezes parecem já não existir. Enquanto alguns moradores do bairro estranhavam nossa busca, confiantes na plena urbanização da região, outros abriam suas portas para que conhecêssemos seus quintais”, resume a artista Joseane Jorge.

Intitulado “Coleção Carpoteca e Espermoteca Jardim Canadá”, o trabalho desenvolvido pela dupla teve como ponto de partida a organização de uma coleção de sementes e frutos presentes no bairro Jardim Canadá. “No fim das contas, a proposta serviu também como uma boa desculpa para que nós pudéssemos conhecer as pessoas que vivem no bairro, e sobretudo aquelas que ainda se mantêm ligadas à terra”, completa a artista Silvia Herval. Tais ligações, no entanto, são associadas pelas artistas a motivações bastante distintas das que movem certos modismos recentes, relacionados ao cultivo e consumo de alimentos orgânicos. “Como se trata de uma região com urbanização bastante recente, boa parte daqueles que encontramos pelo caminho são pessoas desgarradas do campo, que vieram pra cá em busca de emprego, seja com a intenção de fazer a vida, ficar por um tempo ou mesmo fugir de alguma situação anterior”, completa.

Encontros. Tomando práticas de deriva, convivência e troca de saberes como elementos essenciais de seu trabalho, Joseane e Sílvia percorreram, ao longo do período de residência, espaços bastante distintos, tais quais muros urbanos, “vagas verdes”, residências familiares, uma ONG dedicada a ações de reflorestamento e até mesmo um ferro-velho com ares de ficção científica, onde encontraram uma criação de abelhas. “Percebemos, aos poucos, que era quase sempre nas ruas de terra aqui do bairro que encontrávamos as pessoas mais interessantes e interessadas naquilo que estávamos buscando”, observa Joseane.

Além de tais encontros, ao longo dos quais legítimas “invasões de domicílio” não raro se converteram em refeições preparadas a partir de colaborações entre as artistas e alguns moradores do bairro, a dupla ainda estendeu suas atividades às áreas não urbanizadas da mesma região, tais quais o Parque Estadual da Serra do Rola Moça e territórios explorados pela mineração. “A esse respeito, inclusive, vale lembrar que o tamanho da mina que visitamos aqui ao lado é equivalente ao tamanho da área urbanizada de Nova Lima.”. Foi em um desses territórios, aliás, que a dupla encontrou um viveiro construído pela mineradora que explora a região, dedicado à preservação de espécies animais e vegetais ameaçadas de extinção. “Depois de ter visitado vários quintais, foi muito interessante ter contato com alguém que tem o cuidado com a natureza como uma atividade profissional, como um modo de subsistência mesmo. Por outro lado, nos pareceu bastante curioso pensar em como se dão as escolhas entre aquilo que deve ser cultivado nesse viveiro. Os fungos, por exemplo, ficam de fora dessas práticas de preservação”, comenta Sílvia.

Interessadas em ativar redes dentro do bairro, assim como em interferir diretamente sobre o contexto que as recebeu, as artistas semearam no terreno que abriga JA.CA uma série de plantas fartamente encontradas no bairro, tais quais pés de framboesa, manjericão e chuchu. De igual modo, procuraram fomentar laços entre os próprios moradores-plantadores, quem sabe estendendo os efeitos da pesquisa para além do período compreendido pela residência.


 


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