Imersos em sua primeira experiência como dupla, os artistas Manuel Carvalho e Warley Desali têm encontrado em sucessivas derivas e uma intensa convivência com jovens moradores do bairro Jardim Canadá o alimento necessário para o redesenho de seu projeto de trabalho, desde o início interessado em variados aspectos de uma juventude que, seja de dia ou de noite, empresta vida às ruas e aos bares da região.
“A partir dessa convivência, temos tentado nos inserir de fato na rotina do lugar, criando laços verdadeiros com as pessoas que vivem aqui. Com isso, acabamos nos equilibrando entre as condições de propositores artísticos e moradores temporários do bairro, nos perguntando sempre o que temos de fato para acrescentar a essas pessoas”, resume o artista Manuel Carvalho, sobre as primeiras semanas da residência Dispositivo Móvel.
“Conhecemos, por exemplo, alguns meninos de 18 ou 19 anos que já acumulam bastante história de vida, incluindo passagens pela cadeia e relações bastante complexas com essa situação de afastamento em relação à capital.”
Entre os principais pontos de encontro freqüentados pela dupla, contam eles, está um bar que resiste bravamente à árida – e quase inexistente – vida noturna do bairro. “Aos poucos temos conseguido ganhar a confiança do pessoal, fazer com que eles entendam quem somos e o que estamos fazendo aqui. Se, de início, alguns desses jovens chegaram a pensar que éramos policiais disfarçados, mais recentemente esses mesmos jovens nos pediram desenhos para tatuagens ou então para cortes de cabelo. Com o tempo, tanto eles quanto nós temos percebido reais pontos de identificação e possibilidades de diálogo”, relata Warley Desali.
Realidade perfurada. Lançando mão de um grande numero de técnicas e linguagens, tais quais desenho, pintura, fotografia, vídeo, performance e instalação, Manuel e Desali têm em mente a realização de várias pequenas ações em diferentes pontos do bairro, tendo como ponto comum certos traços de rebeldia tão comuns aos artistas quanto a boa parte dos interlocutores que os mesmos vêm encontrando pelo caminho.
“Conhecemos, por exemplo, alguns meninos de 18 ou 19 anos que já acumulam bastante história de vida, incluindo passagens pela cadeia e relações bastante complexas com essa situação de afastamento em relação à capital. De igual modo, tivemos contato com homens que vieram pra cá para realizar trabalhos temporários, em condições que muitas vezes se assemelham à escravidão, e acabaram ficando por aqui”, relata Manuel, fazendo referência a histórias de vida que devem povoar os trabalhos realizados ao longo das próximas semanas.
“Temos pensado, por exemplo, em pintar retratos de alguns desses jovens e deixar esses retratos no bar que eles freqüentam toda noite, provocando pequenos deslocamentos nessa realidade”, adianta Desali. Também figuram entre os planos dos artistas realizar interferências visuais nas diversas placas que povoam as ruas e a própria arquitetura do bairro, cuja fisionomia remete a uma situação de permanente construção.
Como forma de dar visibilidade a aspectos menos evidentes da rotina do Jardim Canadá, a dupla ainda planeja converter a Kombi oferecida pelo programa de residência em uma espécie de palanque para que histórias e experiências de vida até então ocultas possam ser compartilhadas com outros moradores da região. “O que tem nos desafiado, de fato, é a ideia de transmitir o que é viver por aqui, sempre considerando certa rebeldia em relação a um universo que oferece aos seus moradores uma experiência de vida bastante restrita”, observa Manuel.
Manuel Carvalho e Warley Desali ficam em residência no JA.CA até o dia 14 de agosto. Acompanhe novidades e eventos relacionados a este programa de residência aqui no site e pela nossa página do Facebook.